De volta, o velho PDOT?

Distrito Federal: vítima por 14 anos dos governos da capital federal

Professora Mônica Veríssimo
Mônica Veríssimo*

Na última quinta-feira, 24 de fevereiro, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal, Geraldo Magela, apresentou aos deputados distritais a proposta de atualização do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT). No discurso, o Governo de Agnelo quer um diálogo aberto e objetivo com a sociedade e com o Poder Legislativo, mas, como tem pressa, pretende concluir em dois meses o PDOT.

No primeiro momento, o Governo espera receber contribuições da sociedade, pela internet, e também corrigir, no PDOT aprovado, os vícios de iniciativa dos parlamentares que foram alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Esta instituição, inclusive, recomendou ao GDF anulação total do PDOT. Apesar disso, apenas 60 dispositivos (3,6%) dos 1.668, foram acatados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF).

Diante dos fatos, a pergunta que cabe é: basta pouco para termos em definitivo o PDOT? E, ao tê-lo, ele irá resolver os problemas para os quais esse instrumento se destina? A resposta é não.

Os grandes erros, nos últimos 14 anos, cometidos pelos governos que fizeram a revisão do PDOT são: a falta de compreensão do papel, limites e hierarquia dos instrumentos de planejamento patrimonial, territorial e ambiental; a necessidade premente de políticas integradas que compatibilizem e valorizem as principais vocações do Distrito Federal, quais sejam: Capital da República, Patrimônio Cultural da Humanidade; área-núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado e, mais recentemente, área central da Região Metropolitana de Brasília.

Assim, o PDOT continua a tratar o Território como um somatório de lugares urbanos, rurais e unidades de conservação autocontidos. Esses vícios estruturais fazem o PDOT desconsiderar o potencial e limites dos sistemas ambientais, com destaque para a capacidade de suporte das bacias hidrográficas. E  não inserir, com base científica, as zonas de amortecimento e corredores ecológicos das unidades de conservação, nas políticas de desenvolvimento e uso da terra. Assim, não serão “apenas atualizações da Lei”, como quer o Governo Agnelo, que irão sanar aqueles problemas recorrentes em todas as revisões. Então, qual a solução?

Cabe ao Governo:

1º) Transformar o discurso de campanha em prática, em todas as áreas. Lembremos que o Governador Agnelo mencionou acabar com a “herança maldita” e com a “bactéria de difícil tratamento: a corrupção”. E que “medidas paliativas” seriam evitadas. Isso posto, e aplicado ao PDOT, ele se traduz em sua revisão total. Afinal, o PDOT aprovado em 2009, que será reeditado neste governo, foi elaborado durante os governos de Joaquim Roriz e Arruda. E todos sabem que a terra, desde os primeiros homens das cavernas, é onde mais existem conflitos de interesse e, muitas vezes, acordos escusos para sua apropriação;

2º) Internalizar, de vez, na elaboração do PDOT, que ele é um dos instrumentos que compõe o planejamento territorial do Distrito Federal, que regula basicamente a localização dos assentamentos humanos e das atividades econômicas e sociais da população. Assim, conforme a Lei Orgânica do DF, o PDOT deve ser compatibilizado ao Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Este é o instrumento que trata da oferta, vulnerabilidade, estado e capacidade de suporte dos sistemas naturais, diante das demandas urbanas e rurais da sociedade;

3º) Tornar os 93% do território do Distrito Federal, composto de Unidades de Conservação (UCs), em oportunidades inovadoras dentro da proposta do PDOT e não encarar como empecilho ao desenvolvimento. Não se pode esquecer que estamos no século XXI. Deve haver harmonia e equilíbrio entre prosperidade e proteção ambiental. A sustentabilidade, embora seja uma palavra judiada por cidadãos e políticos, passa necessariamente pela nossa capacidade de manter os serviços ambientais existentes e aquelas UCs são vitais para isso. Comportamentos suicidas, que dilapidam os patrimônios naturais em cima de demandas crescentes ou má gestão político-administrativa, não podem mais predominar. Cabe à Capital da República ser referência nacional em preservação e regeneração da natureza;

4º) Considerar Brasília, Capital do Brasil e Patrimônio Cultural da Humanidade são nossas primeiras vocações. Logo, devemos tirar a pressão sobre o Plano Piloto das atividades humanas. Isso passa, necessariamente, pelo planejamento e gestão territorial, de médio e longo prazos, na Região Metropolitana de Brasília. Neste caso, o PDOT, enquanto instrumento, tem pouco alcance para resolver a questão. Contudo, há uma boa notícia: está em fase final de votação, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 3460/2004, que institui o Estatuto da Metrópole. Assim, as regiões metropolitanas deixam de ser órfãs. Isso permitirá agilidade na execução de ações regionais urbanas, previstas na Constituição Federal, sem necessidade de regulamentações complementares, porém carentes de uma proposta de articulação funcional e operacional no âmbito da União. Além disso, também incentivará o exercício das atribuições estaduais e municipais nas unidades regionais urbanas, de forma homogênea, com a conseqüente determinação de prioridades e destinação de recursos financeiros.

5º) Estão em andamento os trabalhos de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), o Zoneamento Ambiental da APA do Planalto Central (ZAAPC) e o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). E, pelo que se sabe, até o momento o GDF não trabalha para compatibilizar esses instrumentos. Assim, seria de extrema valia que o Governo Agnelo iniciasse esse importante trabalho, como o primeiro passo na revisão do PDOT, afinal, os trabalhos envolvem gastos públicos. Caso contrário, corremos o risco de termos algo sui generis: ficarmos suscetíveis a respeitar o PDOT na segunda-feira, o ZEE na terça-feira, o ZAAPC na quarta-feira, e o PPCUB na quinta-feira. Afinal, sabemos que os objetivos daqueles instrumentos são complementares, contudo, as metodologias são distintas. Se não houver compatibilizações, podemos ter conclusões diversas e, muitas vezes, excludentes.

Logo, cabe uma intervenção imediata, a fim de tornar o planejamento territorial e ambiental do Distrito Federal e a preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília dentro de uma visão integrada, de longo prazo, que valorize nossas vocações e continue voltada para o futuro, como queriam seus idealizadores.

Mônica Veríssimo é professora da Universidade de Brasília (UnB) e está à frente da Fundação Sustentabilidade e Desenvolvimento

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