Audiência pública vira palco para exaltação do agronegócio

A Comissão de Agricultura da Câmara tentou, em audiência pública realizada na manhã de hoje (16), esclarecer os impactos das mudanças impostas pela bancada ruralista ao Código Florestal Brasileiro. As alterações aprovadas esbarraram em uma reação adversa da mídia e dos mais diferentes setores organizados da sociedade, que engrossam a campanha “Veta, Dilma”, deflagrada pelas organizações ambientalistas, com apoio da comunidade científica.

O debate, no Auditório 2 do Anexo 2 da Câmara, não atraiu os holofotes dos mais importantes meios de comunicação, nem a atenção dos ambientalistas. Mas os ruralistas de plantão estavam lá, lotando a maioria das cadeiras. A pauta e a relação de convidados prometiam um embate de ideias e de argumentos políticos e científicos em torno da versão final do texto que está sob apreciação dos técnicos do governo federal.

O primeiro a falar foi o relator do texto, deputado Paulo Piau (PMDB-MG). Ele argumentou que o projeto aprovado nem de longe tem qualquer semelhança com o Frankenstein pintado pela imprensa e pelos que condenaram o seu trabalho. Para ele, as críticas partem de quem não leu o conteúdo e embarcou na canoa do “ouviu dizer”.  Com ajuda de uma apresentação em PowerPoint, Piau cotejou o seu trabalho com a versão aprovada pelo Senado Federal.

Regrinha

O deputado não economizou comentários negativos ao texto dos senadores. Segundo ele, não cabe a Brasília determinar regras gerais para um país que abriga seis biomas, menos ainda inserir detalhes em uma lei. As peculiaridades de cada um deles devem ser respeitadas. Assim ele justificou as brechas que existem no texto e que repassam aos estados e municípios a responsabilidade pelo zelo do patrimônio ambiental. “A Câmara quer um decisão técnica. O Senado quer uma regrinha para valer para o Brasil inteiro”, afirmou Piau, que estendeu ao governo federal suas críticas: “O governo fala muito e age pouco”.

O peemedebista mineiro foi veemente ao negar que o projeto assegure anistia aos desmatadores e que seja um estímulo à degradação ambiental. Mas defendeu a “lei da época”, que consiste em liv rar de multas e outras sanções, como a recomposição do patrimônio natural, quem começou explorar as encostas de morros, áreas de proteção ambiental e de preservação permanente há 50 anos ou mais, resultado de uma tradição familiar. Em relação aos desmatamentos das margens dos rios para dar lugar às atividades agrícolas, Piau afirmou que a proteção dessas áreas deve ser atribuição do município e do estado.

O ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente Paulo Capobianco, na gestão de Marina Silva, não foi à audiência pública para fazer o contraponto aos comentários do professor Marcos Fava Neves, titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) de Ribeirão Preto..
Francamente favorável ao agronegócio, Fava exaltou a participação do setor na balança comercial brasileira. Segundo ele, somente este ano, apesar da crise no cenário mundial, o agronegócio elevou as exportação de US$ 25 bilhões para US$ 26 bilhões. Até o fim do ano, o segmento deverá importar US$ 20 bilhões e exportar US$ 100 bilhões, assegurando ao país um saldo positivo de US$ 80 bilhões.  Para o professor, o Código Florestal será determinado pelo consumidor. Cada vez mais exigente, o comprador vai preferir produtos originários de sistemas agropecuários sustentáveis.

O debate seguinte, entre os ex-ministros Reinhold Stephanes (Agricultura) e José Sarney Filho (Meio Ambiente), deputado federal pelo PV do Maranhão, também não ocorreu. Sarney não ficou 10 minutos na audiência pública. A exposição do professor Fava, concordante com as teses dos ruralistas, empurrou o parlamentar maranhense de volta à Comissão de Meio Ambiente, da qual é presidente.

Pelo veto total


O deputado Bohn Gass, do Rio Grande do Sul, foi a voz discordante no ambiente ruralista dominante na Comissão de Agricultura. Ele defendeu o veto da presidente Dilma ao texto aprovado. E justificou: “O projeto impede a recomposição das APPs (Áreas de Preservação Permanente)”.  Ao se colocar como um parlamentar de centro, Bohn Gass disse ser contrário as posições extremas tanto dos ambientalistas quanto dos ruralistas. Ele afirmou que a versão final favorece apenas aos interesses dos grandes produtores rurais. “Tem que haver um regramento e algo que diferencia o agricultor familiar do produtor comercial, que soma apenas 7%.”

Para Bohn Gass, as diferenças existentes no Brasil têm que ser preservadas. “Temos problemas sérios de água. Os rios e as nascentes estão diminuindo. E, sem água, não haverá produção”, advertiu o  deputado. Ele propôs que seja adotada uma tabela de graduação que permita fazer cobranças distintas dos agricultores familiares, dos médios e grandes produtores.  Anunciou ainda que trabalha com o intuito de construir uma maioria que permita a aprovação de mudanças e que coloquem o Código Florestal em condições de garantir o avanço das atividades agropecuárias com equilíbrio ambiental.

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