Índios suruís vão lucrar com a floresta

 Eles são os primeiros no mundo a realizar um contrato, que renderá até R$ 4 milhões por ano, com a venda de crédito de carbono, um dos elementos para amenizar o aquecimento do planeta
 
Almir Suruí, o líder indígena que teve papel fundamental no acordo
para a preservação da floresta com a venda de crédito de carbono

 A Presidência da Câmara dos Deputados planeja levar à votação, no próximo dia 24, a nova versão do Código Florestal. O texto que voltou do Senado, longe de ser o ideal para ambientalistas e  ruralista por motivos opostos, é o mais palatável no entendimento do  governo federal. A tentativa do atual relator de recuperar a versão anterior, produzida pelo deputado Aldo Rebelo, hoje ministro dos Esportes, esbarrou na resistência dos movimentos sociais e também do Executivo federal. Se fosse recuperado o texto aprovado pela Câmara, estaria chancelada a prática desenfreada de desmatamento, bem ao gosto dos grandes produtores rurais. 


Para deixar os ruralistas em uma situação mais desconfortável, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que ocorrerá, de 13 a 22 de junho, no Rio de Janeiro, o povo indígena paiter-suruís, de Rondônia, mostrou que é possível obter renda com a preservação da floresta. Após quatro anos de intensa negociação, com a mediação de organismos não governamentais, os paiter-suruís fecharam o Projeto de Carbono Florestal, que vai assegurar ao grupo renda anual estimada em R$ 4 milhões até 2038, conforme noticiou o jornal Folha de S.Paulo.
Trata-se do primeiro projeto a explorar o chamado Redd (Redução de Emissões por Desmatamento) e a receber os selos VCS Redd (Verified Carbon Standart) e CCB (Climate, Community and Biodiversity). O VCS oferece aos investidores a garantia de que o povo indígena Suruí segue uma metodologia criteriosa de avaliação da redução das emissões. O segundo ― CCB ― assegura que não serão afetados a biodiversidade da floresta e os direitos dos 1.345 suruís distribuídos em 25 aldeias, nos 248 mil hectares da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada em uma região fronteiriça, que vai do norte do município de Cacoal (estado Rondônia) até a cidade de Aripuanã, em Mato Grosso.


Os paiter-suruís são a primeira tribo do mundo a negociar os créditos de carbono para investir na qualidade de vida da comunidade. É um exemplo de sabedoria, própria de quem aprendeu a resistir às pressões dos não indígenas nos últimos 500 anos. 


O desmatamento e a recuperação das áreas degradadas ao longo dos cursos d’água estão entre os principais motivos das divergências em torno do Código Florestal. As recomendações dos especialistas, entre elas as do geógrafo Aziz Ab’Saber, morto em 16 de março, não foram consideradas pela Câmara dos Deputados. No Senado, apenas parte das ponderações da comunidade científica brasileira foi acolhida. Parcela expressiva do atual Congresso é refratária ao conhecimento acumulado pelos cientistas nacionais, e a visão imediatista sobre o lucro é dominante.


Em 2010, Ab’Saber, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), enviou carta ao então relator da revisão do Código, deputado Aldo Rebelo, na qual alertava para a irreversibilidade dos danos que representaria a liberação dos desmatamentos, a fim de ampliar as áreas das atividades agropecuárias.


Embora a presidente Dilma Rousseff tenha prorrogado por mais dois meses a anistia aos desmatadores, avisou que rejeitará qualquer proposta que livre os grandes produtores da recuperação das áreas degradas.  Os ambientalistas e a comunidade científica entendem como imprescindível a suspensão da anistia dada aos ruralistas. Para eles é fundamental o reflorestamento com vegetação nativa, a fim de mitigar os danos causados aos ecossistemas principalmente ao longo dos cursos d’água. Os especialistas levam em conta não somente a importância de buscar o reequilíbrio dos sistemas, mas, sobretudo, evitar a escassez de água, elemento finito e essencial à vida.

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