Big Brother Rural no Cerrado
Ariosto Mesquita
Lançado no dia 15 de setembro, no calor dos debates das eleições 2010, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) passou suas primeiras semanas praticamente incólume às avaliações do setor produtivo brasileiro. Concentrado em garantir a eleição de seus representantes, somente após o final de outubro e início de novembro do ano passado, as lideranças do agronegócio começaram a dar conta de que o Plano apresentado pelo Ministério do Meio Ambiente, deve interferir fortemente no dia-a-dia da agropecuária do Cerrado, bioma responsável pela maior parte da produção de grãos e carne do Brasil.
O PPCerrado foi criado dentro do Governo Lula com o objetivo, de cumprir a meta brasileira – assumida em 2009 em Copenhague - de redução em 40% das emissões de gás carbônico pelo desmatamento do bioma até 2020. Dentre algumas ações previstas estão: a criação de 2,5 milhões de hectares de novas unidades de conservação, a demarcação de 5,5 milhões de hectares em terras indígenas, a contratação de 4,5 mil brigadistas para combate às queimadas e linha de crédito para a recuperação de oito milhões de hectares de pastos degradados.
Extra-oficialmente comentava-se – ainda no Governo Lula - que o Planalto não descartava a possibilidade da formalização de um pacto onde empresas assumiriam o compromisso de não comprar soja produzida em novas áreas desmatadas no Cerrado. Além disso, o Plano prevê a implantação de um sistema para que todas as propriedades rurais sejam monitoradas por satélite em tempo real. Uma espécie de Big Brother Rural oficial.
As ações do PPCerrado têm aplicabilidade imediata – desde 2010 até 2020 – visando resultados finais neste último ano. Os recursos do Governo Federal, para dar andamento ao plano entre 2010 e 2011, são da ordem de R$ 440 milhões. Boa parte destas medidas, de acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente, já está em execução desde o ano passado.
O PPCerrado deveria conter também a determinação de corte de crédito aos produtores rurais com propriedades sem regularização ambiental. No entanto, houve oposição sistemática por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a medida não foi incorporada ao texto. Por outro lado, não está descartada a possibilidade de que esta decisão seja tomada pelo Governo Dilma através de uma resolução do Banco Central.
Muro Ecológico
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Mato Grosso foi o estado brasileiro com maior área de Cerrado desmatada entre 2002 e 2008 (17.500 km2). Por outro lado, neste mesmo período alcançou o posto de maior produtor de grãos do Brasil e de detentor do maior rebanho bovino de corte do País. Sua situação é peculiar, uma vez que é formado por três grandes biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal.
Para o diretor administrativo da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja MT), Carlos Fávaro, o PPCerrado surge como uma espécie de “muro ecológico” para conter a expansão do agronegócio na região. “Este plano interessa ao mercado internacional, justamente nossos concorrentes; por isso já se planta soja em várias áreas na África”, comenta.
Segundo o dirigente, não pode ser idéia de ninguém incentivar o desmatamento ilegal, mas ao mesmo tempo não vê como impedir a abertura de novas áreas para produção agropecuária: “ao se respeitar os 20% de reserva legal no Cerrado não há como alguém proibir a abertura de novas áreas para a agricultura; é um direito constitucional”, afirma.
Fávaro é ciente de que houve abertura de um período de consulta pública (60 dias a partir de setembro/2009) para a discussão do Plano, mas apresenta questionamentos sobre a forma como foi feito este encaminhamento: “a sociedade realmente foi informada de que poderia participar desta discussão? Quem ficou sabendo? O setor produtivo, por exemplo, não foi chamado para discutir”.
Em execução
Enquanto o setor produtivo tenta rediscutir o PPCerrado, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) garante que várias medidas previstas no texto já estão em execução desde 2010. Dentre elas os estudos e avaliações para criação das novas áreas de proteção e das novas reservas indígenas e articulação para liberação de crédito subsidiado ao produtor para recuperação de áreas de pastagens degradadas.
Outro projeto em andamento é o polêmico sistema de monitoramento das propriedades rurais via satélite e em tempo integral. Seu desenvolvimento está sendo feito pelo Ibama em cooperação com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O diretor de Política de Combate ao Desmatamento do MMA, Mauro Pires, nega que este modelo de fiscalização se caracterize como invasão de privacidade na forma de um Big Brother Rural. “Não vejo dessa forma e sim como mais uma maneira de fiscalização, que é uma obrigação do Governo; o produtor tem de estar legalizado ambientalmente, caso contrário será penalizado seja qual for o modelo de fiscalização”, alerta.
Pires, no entanto, prefere tranqüilizar o segmento do agronegócio brasileiro com relação ao PPCerrado: “O Plano é dinâmico, ou seja, será adequado na medida em que formos percebendo determinadas necessidades. O que é preciso deixar claro é que os produtores serão os principais agentes de conservação e diretamente os mais beneficiados”, ressalta.
O diretor do MMA admite, por exemplo, que uma eventual aprovação do novo Código Florestal Brasileiro como hoje está proposto, afetaria diretamente o PPCerrado: “se isso acontecer é inevitável de que ele terá de ser revisto”. Sobre eventuais desmatamentos dentro dos limites de reserva legal, Pires deixa claro: “se for uma ação legal, não haverá problema”.
A região hoje
O Cerrado ocupa algo em torno de 24% do território brasileiro e abrange os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, além do Distrito Federal. Também é caracterizado pontualmente em algumas regiões da Bahia, Rondônia, Amazonas e Pará.
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, é a savana mais rica do mundo em biodiversidade, com 11.627 espécies de plantas nativas catalogadas além de abrigar 320 mil espécies de animais.
O bioma, por outro lado, vem registrando perdas consideráveis em sua área nativa. De acordo com dados constantes do PPCerrado, a região teve sua cobertura vegetal suprimida em 127.564 km2 entre 2002 e 2008 (média de 21.300 km2/ano). Neste intervalo, o percentual de áreas desmatadas pulou de 41,95% para 48,2%.
As queimadas vêm sendo uma das principais ações de desmatamento. Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que entre maio e setembro deste ano foram registrados 57,7 mil focos de queimadas no Cerrado. Este volume seria 350% superior ao verificado no mesmo período de 2009.
Fonte: MS Notícias
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