Conflitos e insegurança hídrica

Barragem de Três Marias: vazão de 250m³/s forçada por decisão judicial

Editorial do jornal Correio Braziliense, em 22 de junho de 2014

Diante da pior seca das últimas seis décadas, cerca de 1.500 municípios nordestinos decretaram situação de emergência no ano passado. Para evitar o desabastecimento de água, a cidade mineira de Pirapora recorreu ao Judiciário a fim de obrigar a Hidrelétrica de Três Marias a manter uma vazão de 250m³/s. Há poucas semanas, a mortandade de peixes na barragem da mesma usina mostrou o quão está fragilizada a bacia hidrográfica do Rio São Francisco. Há uma franca competição entre o setor elétrico e os múltiplos usuários ao longo do Velho Chico. 

A construção de canais destinados à transposição das águas do São Francisco avança pelos estados do Nordeste. A dúvida quanto aos resultados da obra é cada vez maior, considerando a atual redução da oferta de água. No último verão, o volume de chuva em todo o país foi, segundo estimativas, 30% menor do que em anos anteriores. O aquecimento global somado às intervenções antrópicas, explica o fenômeno.
Desde 2013, o sistema Cantareira, responsável por atender mais de 9 milhões de paulistas, caminha para o colapso. A menor quantidade de chuva e uma distribuição desequilibrada na comparação com anos anteriores, exigiu do governo de São Paulo impor punições pecuniárias a quem extrapolar o consumo. Racionalizar o uso se tornou condição sine qua non para evitar um racionamento rigoroso ou a falta total da água para consumo humano.
As tentativas de negociação do governo paulista para obter água do Paraíba do Sul foram frustradas. O governo do Rio de Janeiro nem sequer admitiu discutir a possibilidade, sob o argumento de que haveria comprometimento na oferta de água aos municípios da bacia. O Executivo fluminense ponderou ainda que São Paulo já é atendido por afluentes do Paraíba do Sul, o que tornava injustificável a transposição para suprir o sistema Cantareira.
Em todos esses cenários está evidente o conflito pela água. Em maior ou menor escala, a disputa ocorre em vários cantos do território nacional. No Brasil, essa é mais uma entre as muitas contradições existentes, considerando que o país dispõe de 20% da água potável do Planeta, conforme avaliação da Organização das Nações Unidas. Ainda assim, há uma profunda e dramática desigualdade na oferta de água.
Hoje, com os avanços tecnológicos, é possível, com margem de erro mínima, planejar e se antecipar aos fenômenos climáticos que interferem brutalmente na rotina das cidades. Igualmente, é factível fazer distribuição de água e garantir segurança hídrica a toda a população. Para isso, é preciso investir com seriedade, romper com os gargalos impostos pelos interesses exclusivistas de grupos e valorizar o coletivo e, acima de tudo, ter compromisso com os cidadãos.
Apresenta-se como fundamental ainda apostar na educação ambiental, tanto no campo quanto na cidade, para eliminar o desperdício. Cobrar e premiar o setor produtivo que utiliza com responsabilidade o patrimônio natural, de modo a permitir a migração em tempo adequado para uma economia verde. Não dá mais para estabelecer políticas sociais e econômicas dissociadas dos aspectos ambientais. Diferentemente disso, é conspirar contra o planeta e a vida.

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