BACIA DO SÃO FRANCISCO: ANA é favorável a sistema único de controle de outorgas
Agência Nacional de Águas reconhece que não tem o controle total sobre as licenças para uso da água e defende a revisão do plano de recursos hídricos da bacia, elaborado em 2003
Nascente do São Francisco, na Serra da Canastra (MG) |
Hidrelétrica de Xingó |
Fotos: Zinclar/Acervo do CBHSF
A dramática situação do Velho Chico mobilizou a maioria dos municípios situados à margem do rio durante todo o dia de ontem. Debates, ofertas de água ao rio, plantio de mudas, shows musicais, saraus e muitas outras atividades. Valia qualquer gesto a fim de engrossar a campanha para tornar o 3 de junho o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, cada vez mais alquebrado pela ausência de ações efetivas que o revitalizem.
A campanha é puxada pelo Comitê Gestor da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, presidido por Anivaldo Miranda, mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável. “Não é nada o é contra ninguém, mas, sim, a favor do rio”, diz ele, que defende a participação do comitê no Conselho Gestor do Programa de Revitalização do São Francisco. O Programa de Revitalização do rio é
Poluição às margens do Rio São Francisco |
Segundo o Comitê, o setor elétrico tem hegemonia no rio São Francisco. A cada agravamento da estiagem, as empresas conseguem reduzir a vazão, o que implica prejuízo aos demais usuários. Como a ANA se posiciona em relação ao problema, que já chegou à Justiça, como foi o caso de Pirapora, a fim de garantir que UHE de Três Marias mantivesse a vazão de 250m³/s?
Em função da situação hidrometeorológica, caracterizada por baixos níveis de precipitação e vazão, pela qual passa a bacia hidrográfica do rio São Francisco, combinada com baixos armazenamentos nos reservatórios, que vem se apresentando desde 2013, o Operador Nacional do Setor Elétrico (NOS) vem solicitando à ANA autorização para reduzir as descargas mínimas dos reservatórios de Sobradinho e Xingó, de 1.300 m³/s para 1.100 m³/s, como vistas a garantir o atendimento dos usos múltiplos da água na bacia durante todo o período seco.
Dessa forma, considerando a importância de preservar os estoques de água disponíveis no reservatório de Sobradinho, a Agência Nacional de Águas tem emitido, desde 2013, resoluções autorizando temporariamente a redução da vazão mínima defluente dos reservatórios de Sobradinho e Xingó. A Resolução em vigor, que autoriza a prática de vazões defluentes de até 1.100 m³/s até o dia 31/07/2014, é a Resolução ANA nº 680/2014.
Adicionalmente, reuniões periódicas, coordenadas pela ANA com a participação dos principais setores usuários de água da bacia do rio São Francisco, têm sido realizadas para acompanhar a implementação das reduções de vazão mínima e avaliar a situação da região a jusante desses reservatórios.
Como resultado desta prática de redução das vazões defluentes, Sobradinho, atualmente com volume útil de 54,14%, apresenta-se como um dos reservatórios integrantes do Sistema Interligado Nacional – SIN em melhores condições de armazenamento.
Alagoas: trecho do baixo São Francisco |
Como a ANA avalia e em que poderá colaborar para que seja dispensado um tratamento diferenciado à Bacia do São Francisco? O comitê propõe que seja revisto o conceito de vazão ecológica, a fim de permitir a fixação de uma defluência capaz de garantir o uso múltiplo da água, bem como a biodiversidade do ecossistema, hoje, comprometida pela extinção de muitas espécies?
A vazão mínima é estabelecida nas licenças ambientais das usinas e no Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco, que estabeleceu 1.300 m³/s como a vazão mínima ecológica na foz do rio São Francisco. No Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco há uma Câmara Técnica que discute sobre a vazão ecológica, mas nenhuma proposta foi apresentada pelo Comitê à ANA para ser avaliada.
O Comitê propõe a realização de um inventário das outorgas concedidas para uso das águas do São Francisco. O objetivo é rever o Plano Diretor de Gestão dos Recurss Hídricos do Rio São Francisco e construir um pacto de uso da água. Qual é a opinião da agência sobre esse tema?
A ANA mantém controle automatizado de todas as outorgas por ela emitidas na bacia. Entretanto, ainda não existe um sistema único de controle de outorgas para a bacia que seja integrado com sistemas estaduais. Assim, é necessário não só o levantamento de outorgas já emitidas, mas também a integração entre os sistemas para que o controle seja feito automaticamente a cada nova outorga emitida. Além disso, o plano de recursos hídricos da bacia data de 2003 e precisa ser revisado. Nesta revisão, é importante que o Comitê de bacia defina claramente as prioridades de uso da água, as metas de qualidade da água e uso eficiente da água, e as regras de alocação e limites de uso da água, principalmente nas sub-bacias mais críticas. Tais definições, que constituirão o pacto de uso da água, demandarão também articulação e decisão política do Comitê de bacia, e não somente estudos técnicos sobre outorgas emitidas.
Embora o comitê aponte uma série de problemas no Rio São Francisco e defenda investimentos na sua revitalização, prosseguem as obras de transposição. Esse conjunto de dificuldades não poderá ser agravado e comprometer seriamente esse projeto do governo federal?
Não. A quantidade de água a ser usada pelo projeto de transposição corresponde a apenas uma pequena fração da disponibilidade hídrica do rio São Francisco no ponto de captação. Além disso, o responsável pelo projeto (Ministério da Integração Nacional) só está autorizado a bombear na capacidade máxima do projeto quando o nível d’água do reservatório de Sobradinho estiver acima de 94%, ou seja, quando houver excesso de água na bacia do São Francisco. Essa regra está estabelecida em resolução da ANA e visa a priorizar usos da água na bacia do rio São Francisco, em detrimento de usos da água fora da bacia, além de induzir à operação eficiente do sistema de transposição. Entretanto, são também importantes os investimentos na despoluição de bacias, conservação e controle do uso do solo para redução do assoreamento de cursos d’água, recuperação de funções ambientais de rios impactados por barragens e operação, manutenção e gestão de açudes na parte semiárida da bacia. Tais investimentos são importantes para a resolução de problemas e sustentabilidade de diversas subregiões da bacia, mas não estão relacionados à sustentabilidade do projeto de transposição
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