Por que Dilma não recebe os índios?
Por Marco Paulo F. Schettino,
mestre em antropologia UnB,
analista em antropologia do Ministério Público Federal
A presidenta Dilma se recusa sistematicamente a receber os índios. Nem mesmo a trágica morte do índio terena Oziel Gabriel, durante uma desastrada reintegração de posse em Mato Grosso do Sul, demoveu a presidenta de sua intransigente recusa.
Essa trágica morte é o indicador mais cristalino - pois não se trata de caso isolado - da ausência de uma política de governo para solucionar os conflitos que envolvem índios e fazendeiros. A frustração da expectativa indígena, diante do terceiro governo consecutivo do PT, sinaliza para dois cenários: o retrocesso em direitos fundamentais dos povos indígenas e o agravamento das violações dos seus direitos humanos.
A resposta a tais conflitos, no atual governo, tem tido duas vertentes. Uma é atender ao clamor pela suspensão e flexibilização dos direitos constitucionais dos povos indígenas, concretizado em moratórias como as recém anunciadas para o Paraná e o Rio Grande do Sul. Tal proposta é acolhida com uma naturalidade assustadora, como se estivéssemos vivendo a “normalidade” de um Estado de exceção. A outra é reativa: a cada tragédia com repercussão midiática, espasmos de proatividade são ensaiados, comissões constituídas e promessas anunciadas, para durarem o tempo da repercussão e se diluírem no mesmo descaso e omissão anterior, geradores do fato repercutido.
A recusa da presidenta, para além de expressar o pragmatismo que tudo reduz à governabilidade, e aos “fins”, que pretensamente justificam os meios, demonstra que seu governo não reconhece os índios como portadores de direitos e sujeitos qualificados para uma interlocução com a autoridade máxima da República. O mesmo não se observa com os setores que se opõem aos seus direitos.
O direito à consulta, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, não tem sido respeitado. Aos índios cabe, silenciados, aceitarem os desígnios do planejamento estatal ancorado nas matrizes colonial, integracionista e autoritária. A primeira pretende moldar a nação a uma grande feitoria exportadora de produtos primários, eliminando todos os “obstáculos” à exploração dos recursos naturais; a segunda não reconhece a diversidade sociocultural que os índios representam, busca integrá-los ao padrão do cidadão urbano; a última não consulta as minorias socioculturais, lhes impõe o planejamento como fato consumado e faz da consulta prévia mero protocolo oitivo.
A atualização da ideologia colonial, que reduzia a diversidade cultural a selvagens e civilizados, hoje se traduz em pobres e ricos. Os índios são, aos olhos do governo, pobres. Precisam ser emancipados da pobreza pelas políticas de “inclusão social” e “integrados” ao mercado. Não podem, desde sua “ignorância inculta”, se oporem ao benefícios do desenvolvimento ou dialogar com o paradigma de desenvolvimento vigente, no que lhes diz respeito, propondo-lhe alternativas ou ajustes.
Certamente os índios não irão propor à presidenta que os congelem no século XVI, como pretendem aqueles que desqualificam seus direitos como mera tentativa de volta a um passado idealizado e indesejável, mas que lhes garanta seus direitos e a liberdade de escolha, onde aderir ao mundo “branco” não é uma imposição, mas uma opção tanto quanto participar da vida nacional sem terem que, necessariamente, abrir mão de seus direitos e identidades culturais.
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