O inesperado primata


Tarde de quinta-feira. Seguia para o trabalho, quando o celular tocou. Parei o carro, no gramado à saída do bairro. No visor do aparelho, a origem da ligação: “casa”.
— Diga.
— Você nem sabe o que aconteceu! — disse minha mãe Tota, do outro lado da linha, em tom exaltado.
— O que foi? — perguntei, supondo que algo muito sério havia acontecido. Pensei que teria que voltar para casa e estavam em cima da hora para o trabalho.
— Tem um macaco enorme no quintal — respondeu Tota, ainda mais excitada, mesmo aos 84 anos, e acrescentou: — O Dexter está latindo muito, desesperado para pegar o bicho, e eu tô morrendo de medo. Será que ele vai atacar a gente? — questionava, com a voz ofegante, como se tivesse subido correndo uns 10 degraus.
— Deve ser um miquinho, você está exagerando — ponderei.
— Nada disso… Ele é enorme mesmo. Nem de longe se parece com aqueles macaquinhos que a gente via no quintal lá do Lago Norte
— Cadê o Guile? — perguntei pelo meu filho caçula, formado em biologia e bom entendedor de primatas.
— Ele vai falar com você… Espera um pouquinho.

Em fração de segundos, ouço o grito: — Guile, depressa, sua mãe quer falar com você.
— Oi, mãe… Não é nada demais, não. A vó tá agitada à toa. É só um macaco-prego que chegou no quintal, e o Dexter está desesperado para pegar o bicho… Nada demais.  Fica tranquila —  explicou o Guile, com a calma de sempre.

À noite, Tota ainda estava agoniada com a aparição do macaco, ao qual dava dimensões absurdas. Quem não a conhecesse, cairia nas armadilhas da imaginação e não teria dúvidas de que estaria vivendo na mais tropical das florestas africanas em território de orangotangos, de gorilas ou similares.
No dia seguinte, o assunto voltou à mesa do café da manhã. Mas o “enorme” macaco tinha dimensões bem menores, embora ainda fosse assustador, na versão da minha mãe.
Chegou o fim de semana. E uma nova surpresa.

O “gigantesco” primata da quinta-feira retornou ao quintal. Não fosse o Dexter, totalmente aloprado e latindo como uma fera, apesar dos seus poucos mais de 30cm de altura, ninguém teria notado a presença do macaco-prego. Para Tota, não havia dúvida: era o mesmo animal de dois dias atrás. Ela garantiu e avisou que não sairia do seu quarto.
—  Nem quero ver esse bicho. Não sei do que ele é capaz — afirmou e deixou a sala resmungando rumo ao quarto.

Desci para o quintal e me aproximei do galinheiro. O macaco, com muita delicadeza, recolheu um bom punhado de milho espalhado pelo chão e subiu em uma das estacas da cerca.  Indiferente aos latidos do Dexter, e mais ainda à minha presença, o macacono seu ponto de conforto, retirou o gravetos que vieram com o grãos de milho e, ali, ficou a saboreá-los… Aos pouquinhos, sem pressa. Ele estava no topo do mundo (imagino) e todos que o olhavam eram seres insignificantes (eu, Dexter e o maridão)
Dexter não parava de latir. Saltava — parecia incansável —, sem a menor chance de alcançar o macaco.
Segundo o Guile, tratava-se de um macho, adulto, que, provavelmente, vivia na mata distante a uns 200 metros de casa. E aconselhou: “Não deem nada para ele comer. Deixem que ele se vira e volta para o canto dele”.

Ficamos ali, parados, a admirá-lo e a fazer fotos com o celular. Tranquilo, ele se virou de um lado para outro, permitindo imagens de diferentes ângulos. O milho acabou e, sem demorar, o nosso primata partiu para o quintal da vizinha e, de lá, provavelmente, voltou para a mata, uma das áreas preservadas do bairro. Mas sua imagem ficou fixada entre as boas lembranças que o quintal tem nos propiciado.





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