Bravo! Timponi está solto

Bravo! Bravíssimo! A Justiça libertou o Timponi. Um tipão de homem. Alto, aloirado e, sobretudo, rico, morador de um dos bairros mais nobres da capital da República, cuja qualidade de vida se compara a da Noruega. Timponi, coitado, já foi condenado por tráfico de drogas e teve 11 multas por excesso de velocidade. Provocou o acidente que matou três senhoras na Ponte JK, dia 6 de outubro, só porque estava em excesso de velocidade e tinha tomado umas e outras. É uma vítima da dos narcotraficantes e da indústria automobilística. Os traficantes induzem indivíduos, até adultos, ao uso da química alucinógena. A indústria coloca no mercado máquinas potentes, que exigem do condutor velocidade máxima. Sem contar que a ingestão de bebidas alcoólicas é legal, e a propaganda direta induz as pessoas a beberem, o que explica as latas de cervejas e garrafas de uísque no interior do Golf pilotado por Timponi.

Ah! Não é só isso. Timponi deu só um tim-tim na traseira de um Corolla, onde estavam as vítimas, e que trafegava no limite da velocidade da Ponte JK. Mas o Corolla não resistiu ao brinde macabro e se arremessou contra o poste, que sucumbiu ao impacto. Culpa do motorista do Corolla que não explorava a potência do importado japonês. Quem mandou andar de acordo com as normas de trânsito? É isso que dá ser correto! Causa acidentes, faz vítimas e depois fica chorando.

Não fique indignado com esses dois primeiros parágrafos. Direcione sua repulsa para a Justiça. Sem radicalismo, é claro. Há gente boa no reduto do Judiciário. Mas foi a juíza (NOME DELA) quem devolveu o Timponi às ruas. Ela deve supor, que três vítimas foram pouco. Quem agiu de forma incorreta foi o delegado que trancafiou o pródigo professor de educação física, sem antes ouvir o Ministério Público. Se o pedido de prisão preventiva - isso mesmo preventiva, porque antes tarde do que nunca - não partiu de um procurador, como é que um delegado de polícia, cuja missão precípua (imagina-se) seja a de preservar a integridade física do cidadão tem a ousadia de prender um homem alto, aloirado, rico e morador do Lago Sul? Ora! Onde já se viu tamanha prepotência?! Delegado acha que pode prender quem mata. Brincadeira!

Não. Isso não é brincadeira.

É algo muito sério e vem ocorrendo em todos os cantos do País. Sentimos mais de perto, porque estamos na capital da República, de onde deveriam partir bons exemplos em todos os sentidos e em todos os setores de atividades e conhecimentos humanos. Mas não é isso que se vê.

Não faz muito tempo, a mesma juíza, que hoje liberta Timponi, tentou contemporizar em relação aos jovens que, não tendo o que fazer na madrugada, decidiram queimar um índio Pataxó Hã-hã-hãe, que dormia em uma parada de ônibus. Lembra-se do caso Galdino? Eles também eram - ainda devem ser - moradores do Lago Sul, bonitos, de famílias ricas e influentes.

A atitude dos jovens, incorporados pelo espírito de Nero, para boa parcela dos juristas, seria enquadrada em homicídio triplamente qualificado. Mas para a juíza não passou de lesão corporal seguida de morte.

Quem manda ser índio, fraco e não sobreviver depois de ter quase 90% do corpo queimado? Se fosse um legítimo guerreiro, criado com leite de cabra teria sobrevivido.
Eis aí as coincidências entre os jovens e o Timponi: ricos, influentes, moradores do bairro mais chique da cidade. Será mesmo que condição socioeconômica e etnia têm peso na decisão judicial?

Ou será apenas intriga das línguas maledicentes, que buscam desacreditar os órgãos de Estado perante a opinião pública?

Tenho que me render à segunda opção. Totalmente descabida qualquer inferência de que condição socioeconômica ou étnica influencie decisões judiciais. Isso jamais ocorreria em um país como o nosso, em que prevalece a miscigenação e se pauta na justiça social e econômica. Não fosse assim, como se deixaria governar por um torneiro mecânico. Supor que há discriminação e preconceito no Brasil é uma heresia. Aqui todos são iguais perante a lei. Há apenas uma pequena variação, dependendo da classe social, mas nada que compromete o bem-estar geral da nação e a felicidade do povo.

Para que não haja dúvida, vale lembrar o caso da jovem estudante Maria Cláudia Del'Isola. Aos 19 anos, foi trucidada pelo caseiro e a doméstica de sua residência. Ambos estão hospedados há quase três anos no presídio, com direito a escolta policial caso decidam ir ao banco ou fazer umas comprinhas --como aconteceu ano passado--. Ainda não foram julgados e os defensores públicos, ciosos de suas atribuições, fazem todo o possível para atenuar eventuais punições para os réus confessos. É o Estado, custeado pela sociedade, que defende os criminosos.

O caseiro e a doméstica são afros-descendentes e de pouco recursos financeiros. O fato afasta qualquer idéia equivocada de que a Justiça favoreça somente os mais aquinhoados. Ainda bem. Isso é democracia! Mas mudar a lei dos crimes hediondos para beneficiar quem desgraçou a vida alheia só pode ser coisa do mal.

Viva! Viva! Benditos sejam os direitos humanos para quem estupra, violenta, seqüestra, tortura, mata.

Malditos sejam aqueles que atravessam o caminho desses homens e mulheres de forte tendência homicida.

Malditos são os que cumprem seus deveres, as leis e buscam ser solidários e misericordiosos com os mais necessitados.

Malditos são os que exigem que a Justiça retire dos olhos as vendas que a impede de ver o certo e errado e que se disponha a ouvir a clamor de um povo angustiado pelo crescimento da violência.

Malditos são os policias que retiram das ruas os agressores dos mais frágeis.

Malditos são os índios, as meninas e os meninos que sonham com um mundo melhor, as senhoras donas de casa que passeiam numa tarde de sábado com amigas e maridos.

Malditos são os filhos que choram a morte de seus pais, dos pais que perdem seus filhos ou dos homens e mulheres que sofrem com a brutal partida de seus companheiros.

Malditos sejam todos nós que alimentamos com trabalho e suor os legisladores e os executores das leis.

Malditos somos todos nós que acreditamos que ser correto nos faz merecedores dos serviços do Estado que alimentamos e é o caminho acertado à construção de uma cultura de paz.

Maldito é quem cumpre seu dever, não se corrompe, respeita o cidadão e rechaça a impunidade. Maldito seja!

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