Brasiliense-de-cabeça-tronco-e-rodas

O caótico sistema de transporte público do DF e as distâncias entre um ponto e outro da cidade misturaram-se e deram origem a um ser mutante: brasiliense-de-cabeça-tronco-e-rodas. Essa nova geração, gestada na capital da República, está camuflada entre os quase 1 milhão de veículos em circulação, contra uma população de pouco mais de 2,3 milhões de pessoas.No dia-a-dia, fica difícil distinguir um do outro. É gente a pé ou de carro. Para qualquer lado que se olhe, é gente amontoada em ônibus ou andando perigosamente nas vans (vans sinônimo de vândalos).

Os mutantes brasiliense-de-cabeça-tronco-e-rodas se multiplicam rapidamente, mas nem todos têm cérebro e se tornam seres de altíssima periculosidade. Dia 6 de outubro, um deles, da espécie anencéfalo-etílico-perigoso, com um corpo de Golf da Volks - disfarçado em professor de educação física para a visão geral - provocou mais um dramático acidente na Ponte JK, obra-prima da arquitetura e da engenharia.

A PJK não é uma ponte qualquer. Onde se lê ‘p’ de ponte, leia-se também ‘p’ de polêmica ou de (im) probidade. Tornou-se famosa por ter consumido, apenas em uma de suas fases, R$ 40 milhões, a princípio, destinados à compra de medicamentos. Ou seja, antes mesmo de estar aberta às potentes máquinas da indústria automobilística, a PJK já tinha um lastro homicida considerável. Arquitetada por um carioca, suscitou críticas dos profissionais locais e há quem diga que é um arremedo de uma ponte semelhante existente no Japão.

Mas o acidente do dia 6 - como a data prenuncia, o número da besta-fera - matou três senhoras. Destruiu três famílias. Sepultou sonhos e arrasou futuros. A tragédia foi provocada por um só mutante anencéfalo ou dois da mesma espécie. Ninguém sabe ao certo. Testemunhas dão conta de que anencéfalo-etílico-perigoso, com corpo de Golf, e outro mutante, versão cultural - estaria no comando de uma caminhonete (S10, igualmente potente). Ambos teriam transformado a via da PJK em pista de teste de potência, como ocorre nas montadoras. Ou seja, vulgar e ilegalmente estariam batendo um pega ou um racha.

O motorista do Golf, possivelmente tão abastecido de álcool quanto o tanque do carro, desferiu um golpe letal no Corolla em que estavam as três senhoras e dois outros homens. Um deles, marido de uma das vítimas. No embate, o Corolla foi arremessado contra um poste que sucumbiu ao baque e matou as três mulheres. Os homens sobreviveram e tiveram parte de suas vidas mutilada pela perda de suas companheiras. O anencéfalo-etílico-perigoso está atrás das grades. Sua ficha corrida - prisão por tráfico de drogas e com um acumulado de 11 multas por excesso de velocidade - o coloca, ao lado de inúmeros outros, no topo do ranking dos indivíduos de impossível convivência em sociedade.

A morte das três senhoras provocou profunda comoção entre os brasilienses, embora não sejam as primeiras. Como esquecer do jovem advogado que também foi morto por um mutante anencéfalo-perigoso? A diferença entre os episódios é que no segundo o anecéfalo-perigoso está preso. No primeiro, o mutante, autor de dezenas de delitos no trânsito está à solta e sabe lá Deus o que não anda cometendo nas vias da PJK e outras que cortam a cidade.

Outra diferença entre os dois fatos é o comportamento do Estado. O primeiro está marcado pela indiferença do Estado e da Justiça. O anencéfalo-perigoso não só está em liberdade, como conta com uma proteção inexplicável das autoridades e o processo na Justiça anda de ré. Segue em direção ao passado. Não avança. Supõem-se que a Justiça, dependendo do episódio e envolvidos, não só faz uso da sua cegueira, mas tem perda grave da capacidade auditiva. Recusa-se a ver e a ouvir aqueles que bradam para que ela se faça existir.

No último caso, os parentes das vítimas conquistaram a adesão do governo. As autoridades prometeram, em passos firmes na manifestação da tarde de domingo, moverem-se para que haja mudanças na legislação para tornar mais rigorosas as sanções legais aos mutantes anencéfalos-etílicos-perigosos de cabeça-tronco-e-rodas. Espera-se que o compromisso não seja expressão forçada pela emoção daqueles que choram a perda de seus filhos, mulheres, mães e maridos. É imperativo para o equilíbrio da vida e a sanidade da capital, patrimônio cultural da humanidade, a erradicação dos mutantes anecéfalos-de-cabeça-tronco-e-rodas. Pedro D. Aroeira

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