Os príncipes sumiram
Este ano, no auge do
período chuvoso, senti falta dos sapos. Isso mesmo. Os sapos não chegaram à
garagem nem ao jardim de casa. Nunca imaginei que poderia sentir saudades
desses bichos tão rejeitados pela maioria das pessoas. A ausência deles me fez
refletir sobre o que teria ocorrido. Por que não voltaram neste ano como o
fizeram no passado? Eram de diversos tamanhos. Alguns assustadores de tão
grandes, mas mansos. Não se incomodavam com o latido estridente do Dexter (personagem
de desenho animado, não confundi-lo com o policial serial killer da série
homônima). Ele é um vira-lata puro sangue, adotado, havia pouco mais de três
anos, por meu neto, João, e por meu caçula, Guilherme, e que se revelou um belo
companheiro, amigo e muito carinhoso.
Percebi ainda que a casa
não foi invadida pelos cupins alados, que infestavam a varanda de asas e
tiravam a paciência quando chegavam à sala ou ao escritório. Talvez, sem a
presença deles, os sapos tenham percebido que não valeria a pena incursionar na
residência em busca de alimento fácil e se exporem à histeria do Dexter.
Ao mesmo tempo, as chuvas
estavam mais escassas. Brasília se encontrou com o racionamento de água. Havia mais de 20 anos que o alerta fora dado.
As autoridades, como sempre ignoraram as advertências dos especialistas sobre o
estresse hídrico que se mostrava mais severo a cada estação. A falta de água
era uma questão de tempo, mas seria inevitável. Os projetos desenvolvidos
ampliavam, irresponsavelmente, o desmatamento, eliminavam nascentes e induziam
a ocupação do solo. Os avisos globais a respeito das mudanças climáticas também
foram ignorados.
O Distrito Federal foi se
transformando em paraíso dos grileiros. Os condomínios irregulares brotaram como
braquiária em meio ao gramado. E mais: o cerrado era eliminado pela ganância
pelo dinheiro fácil, pela arrogância de uma classe média inculta e ambiciosa e
pelos pretendentes à ascensão social. Tudo adubado pela leniência do poder
público. Mais casas, mais votos e, ao fim, a perpetuação do poder e mais
dinheiro para os conhecidos corruptos locais. Hoje, alguns estão atolados em
processos judiciais e um notório está na República de Curitiba.
Abandonaram-se as orientações de Lucio Costa sobre a ocupação do quadradinho do Goiás, como o DF também é conhecido. A cidade planejada, merecedora do título de
Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco, havia se perdido no
emaranhado de desmandos. O atualizado velho adágio “não há almoço de graça”
trouxe a fatura. Preço alto a pagar, principalmente, por aqueles que não degustaram
o cardápio da ilegalidade.
O período chuvoso está no
finalzinho. As águas de março fecharam o verão e o outono se impõe e anuncia
que o período de estiagem será rigoroso. A calliandra, flor símbolo do cerrado,
aparece aqui e acolá, majestosa, uma beleza ímpar. Ela se impõe, não importa o
local. Atrai olhares e mostra que, neste devastado cerrado, resiste uma força
que nossos olhos não alcançam — vem do fundo da terra. Hoje, não mais esperança
de reencontrar os sapos. Quem sabe, no ano que vem, os príncipes voltem a coaxar
na minha varanda.
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