Abandonados nos portos

Rosane Garcia

A série “Cais do abandono”, conduzida pelas jornalistas Leilane Menezes e Helena Mader e publicada, no período de 13 e 16 deste mês, pelo Correio, tratou, como muita propriedade, a exploração a que estão submetidos meninos e meninas das zonas portuárias de importantes capitais do Norte e do Nordeste. Eles deixaram de ser crianças e foram coisificados para o deleite sexual de adultos inescrupulosos nacionais e estrangeiros. Estão acorrentados ao universo das drogas, da prostituição, da violência, da gravidez precoce, das DSTs... E tantas outras mazelas.

Pode-se medir, a cada frase, parágrafo e página, a hipocrisia dos gestores públicos. Eles têm a dimensão do problema, denunciado pelos mais variados canais, mas colocam a tragédia infantil no patamar inferior das prioridades. Reduzem investimentos, desviam recursos para ações e obras que mascaram a inépcia do Estado. Ao fim, recheiam o discurso com o surrado clichê: “As crianças e os jovens são o futuro da nação”.

Porém, as imagens captadas pela câmera da fotógrafa Monique Renne desmentem sem cerimônia toda a falácia que envolve as campanhas feitas  no exterior. Lá fora, os gestores advertem os prováveis visitantes do país de que a exploração sexual de crianças e jovens é crime no Brasil. Em território nacional, os avisos são dados em tom menor e não reverberam o suficiente para interferir na realidade dos abandonados no cais.

Assim, na barra dos portos brasileiros, onde entram e saem riquezas, há uma balança social fraudada por um Estado negligente. Em um dos pratos, estão os inúmeros jovens, para os quais são negados direitos fundamentais, como saúde, educação, moradia, sonhos e desejos. No outro, pesam a ausência de responsabilidade dos governantes e a omissão daqueles que devem aplicar as leis, as políticas  públicas, que são magníficas no papel, mas longe da realidade. O saldo é apenas desesperança.
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

Comentários

MAIS LIDAS